PAPA BENTO XVI
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2013
«Creio em Deus»
Neste Ano da fé,
hoje gostaria de começar a meditar convosco sobre o Credo, ou seja, sobre a solene
profissão de fé que acompanha a nossa vida de fiéis. O Credo começa assim: «Creio em Deus». É uma
afirmação fundamental, aparentemente simples na sua essencialidade, mas que
abre ao mundo infinito da relação com o Senhor e com o seu mistério. Acreditar
em Deus implica adesão a Ele, acolhimento da sua Palavra e obediência jubilosa
à sua revelação. Como ensina o Catecismo
da Igreja Católica, «a fé é um acto pessoal, uma resposta livre do
homem à proposta de Deus que se revela» (n. 166). Portanto, poder dizer que se
crê em Deus é um dom — Deus revela-se, vem ao nosso encontro — e, ao mesmo
tempo um compromisso, é graça divina e responsabilidade humana, numa
experiência de diálogo com Deus que, por amor, «fala aos homens como a amigos»
(Dei
Verbum, 2), fala-nos a
fim de que, na fé e com a fé, possamos entrar em comunhão com Ele.
Onde podemos ouvir Deus e a sua
palavra? É fundamental a Sagrada Escritura, onde podemos ouvir a Palavra de
Deus que é alimento para a nossa vida de «amigos» de Deus. A Bíblia inteira
narra o revelar-se de Deus à humanidade; toda a Bíblia fala de fé e ensina-nos
a fé, narrando uma história em que Deus faz progredir o seu desígnio de
redenção, tornando-se próximo de nós, homens, através de muitas figuras
luminosas de pessoas que acreditam nele e a Ele se confiam, até à plenitude da
revelação no Senhor Jesus.
A este propósito, é muito bonito o
capítulo 11 da Carta aos
Hebreus, que há pouco ouvimos. Ali, fala-se da fé e põem-se em evidência as
grandes figuras bíblicas que a viveram, tornando-se modelo para todos os fiéis.
No primeiro versículo, o texto reza: «A fé é o fundamento da esperança, é uma
certeza a respeito do que não se vê» (11, 1). Por conseguinte, os olhos da fé
são capazes de ver o invisível, e o coração do crente pode esperar além de toda
a esperança precisamente como Abraão, de quem na Carta aos Romanos Paulo afirma que «acreditou, esperando
contra toda a esperança» (4, 18).
E é precisamente sobre Abraão, que
gostaria de chamar a nossa atenção, porque ele é a primeira grande figura de
referência para falar de fé em Deus: Abraão, o grande patriarca, modelo
exemplar, pai de todos os crentes (cf. Rm 4, 11-12). A Carta aos Hebreus apresenta-o assim: «Foi pela fé que
Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em
herança. E partiu sem saber para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra
prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacob,
co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade
assentada sobre os fundamentos eternos, cujo arquitecto e construtor é Deus»
(11, 8-10).
Aqui, o autor da Carta aos Hebreus faz referência à vocação de Abraão,
narrada no Livro do Génesis,
o primeiro livro da Bíblia. O que pede Deus a este patriarca? Pede-lhe que
parta, abandonando a própria terra para ir rumo à terra que lhe indicar: «Deixa
a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te
mostrar» (Gn 12, 1). Como
teríamos respondido nós a um convite semelhante? Com efeito, trata-se de uma
partida às escuras, sem saber para onde Deus o levará; é um caminho que exige
uma obediência e uma confiança radicais, ao qual só a fé permite aceder. Mas a
escuridão do desconhecido — onde Abraão deve ir — é iluminado pela luz de uma
promessa; Deus acrescenta ao mandato uma palavra tranquilizadora que abre diante
de Abraão um futuro de vida em plenitude: «Farei de ti uma grande nação;
abençoar-te-ei e exaltarei o teu nome... e todas as famílias da terra serão
benditas em ti» (Gn 12,
2.3).
Na Sagrada Escritura, a bênção está
vinculada primariamente ao dom da vida que vem de Deus e manifesta-se em
primeiro lugar na fecundidade, numa vida que se multiplica, passando de geração
em geração. E à bênção está ligada também a experiência da posse de uma terra,
de um lugar estável onde viver e crescer em liberdade e segurança, temendo Deus
e construindo uma sociedade de homens fiéis à Aliança, «reino de sacerdotes e
nação santa» (cf. Êx 19, 6).
Por isso, no desígnio divino,
Abraão está destinado a tornar-se «pai de uma multidão de povos» (Gn 17, 5; cf. Rm 4, 17-18) e a entrar numa nova terra
onde habitar. E no entanto Sara, sua esposa, é estéril, não pode ter filhos; e
o país para o qual Deus o conduz é distante da sua terra de origem, já é
habitado por outras populações, e nunca lhe pertencerá verdadeiramente. O narrador
bíblico sublinha-o, mas com muita discrição: quando Abraão chegou ao lugar da
promessa de Deus: «Os Cananeus já viviam naquela terra» (Gn 12, 6). A terra que Deus oferece a
Abraão não lhe pertence, ele é um estrangeiro e tal permanecerá para sempre,
com tudo o que isto comporta: não ter finalidades de posse, sentir sempre a
própria pobreza, ver tudo como dádiva. Esta é também a condição espiritual de
quem aceita seguir o Senhor, de quem decide partir, acolhendo a sua chamada,
sob o sinal da sua bênção invisível mas poderosa. E Abraão, «pai dos crentes»,
aceita esta chamada na fé. Na Carta
aos Romanos são Paulo
escreve: «Esperando, contra toda a esperança, Abraão teve fé e tornou-se pai de
muitas nações, segundo o que lhe fora dito: “Assim será a tua descendência”.
Não vacilou na fé, embora tenha reconhecido o seu próprio corpo sem vigor —
pois tinha quase cem anos — e o seio de Sara igualmente amortecido. Diante da
promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas conservou-se forte na fé e
deu glória a Deus. Estava plenamente convencido de que Deus era poderoso, para
cumprir o que prometera» (Rm 4,
18-21).
A fé leva Abraão a percorrer um
caminho paradoxal. Ele será abençoado, mas sem os sinais visíveis da bênção:
recebe a promessa de se tornar um grande povo, mas com uma vida marcada pela
esterilidade da sua esposa Sara; é levado para uma nova pátria, mas nela deverá
viver como estrangeiro; e a única posse da terra que se lhe permitirá será a de
um lote de terreno para ali sepultar Sara (cf. Gn 23, 1-20). Abraão é abençoado porque,
na fé, sabe discernir a bênção divina, indo além das aparências, confiando na
presença de Deus até quando os seus caminhos lhe parecem misteriosos.
O que significa isto para nós?
Quando afirmamos: «Creio em Deus», nós dizemos como Abraão: «Confio em ti;
confio-me a ti, ó Senhor!», mas não como a alguém, ao qual recorrer apenas nos
momentos de dificuldade, ou a quem dedicar alguns momentos do dia ou da semana.
Dizer «Creio em Deus» significa fundar sobre Ele a minha própria vida, deixar
que a sua Palavra a oriente todos os dias, nas escolhas concretas, sem medo de
perder algo de mim mesmo. Quando, no Rito do Baptismo, por três vezes somos
interrogados: «Credes?» em Deus, em Jesus Cristo, no Espírito Santo, na santa
Igreja católica e nas outras verdades de fé, a tríplice resposta é no singular:
«Creio», porque é a minha existência pessoal que deve passar por uma
transformação mediante o dom da fé; é a minha existência que deve mudar,
converter-se. Cada vez que participamos num baptizado, deveríamos perguntar-nos
como vivemos diariamente o grande dom da fé.
Abraão, o crente, ensina-nos a fé;
e, como estrangeiro na terra, indica-nos a pátria verdadeira. A fé torna-nos
peregrinos na terra, inseridos no mundo e na história, mas a caminho da pátria
celestial. Portanto, crer em Deus torna-nos portadores de valores que muitas
vezes não coincidem com a moda, nem com a opinião do momento, exige que
adoptemos critérios e assumamos comportamentos que não pertencem ao modo de
pensar comum. O cristão não deve ter medo de ir «contra a corrente» para viver
a sua fé, resistindo à tentação de «se conformar». Em numerosas das nossas
sociedades, Deus tornou-se o «grande ausente» e no seu lugar existem muitos
ídolos, ídolos extremamente diferentes entre si, e sobretudo a posse e o «eu»
autónomo. E também os progressos notáveis e positivos da ciência e da técnica
suscitaram no homem uma ilusão de omnipotência e de auto-suficiência, e um
egocentrismo crescente criou não poucos desequilíbrios no contexto das relações
interpessoais e dos comportamentos sociais.
E no entanto, a sede de Deus (cf. Sl 63, 2) não foi saciada e a mensagem
evangélica continua a ressoar através das palavras e das obras de numerosos
homens e mulheres de fé. Abraão, o pai dos crentes, continua a ser pai de
muitos filhos que aceitam caminhar no seu sulco e põem-se a caminho, em
obediência à vocação divina, confiando na presença benévola do Senhor e
acolhendo a sua bênção, a fim de se fazer bênção para todos. É o mundo
abençoado da fé, ao qual todos somos chamados, para caminhar sem medo no
seguimento do Senhor Jesus Cristo. Trata-se de um caminho por vezes difícil,
que conhece também a prova e a morte, mas que abre à vida, numa transformação
radical da realidade, que unicamente os olhos da fé são capazes de ver e
saborear em plenitude.
Então, afirmar «Creio em Deus»
impele-nos a partir, a sair de modo incessante de nós mesmos, precisamente como
Abraão, para levar à realidade quotidiana em que vivemos a certeza que nos
deriva da fé: ou seja, a certeza da presença de Deus na história, também hoje;
uma presença que traz vida e salvação, abrindo-nos a um futuro com Ele, para
uma plenitude de vida que nunca conhecerá ocaso.
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